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O Sol na Cabeça, de Geovani Martins, é uma obra dolorosa e tocante sobre a juventude periférica

Publicado em 12 jul, 2018

O Sol na Cabeça – Geovani Martins

ISBN-10: 8535930523 | Ano: 2018

Páginas: 122 | Editora: Companhia das Letras

Classificação: 

 

Em O sol na cabeça, Geovani Martins narra a infância e a adolescência de garotos para quem às angústias e dificuldades inerentes à idade soma-se a violência de crescer no lado menos favorecido da “Cidade partida”, o Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XXI. Em “Rolézim”, uma turma de adolescentes vai à praia no verão de 2015, quando a PM fluminense, em nome do combate aos arrastões, fazia marcação cerrada aos meninos de favela que pretendessem chegar às areias da Zona Sul. Em “A história do Periquito e do Macaco”, assistimos às mudanças ocorridas na Rocinha após a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora, a UPP. Situado em 2013, quando a maioria da classe média carioca ainda via a iniciativa do secretário de segurança José Beltrame como a panaceia contra todos os males, o conto mostra que, para a população sob o controle da polícia, o segundo “P” da sigla não era exatamente uma realidade. Em “Estação Padre Miguel”, cinco amigos se veem sob a mira dos fuzis dos traficantes locais. Nesses e nos outros contos, chama a atenção a capacidade narrativa do escritor, pintando com cores vivas personagens e ambientes sem nunca perder o suspense e o foco na ação.

O Sol na Cabeça é uma leitura deliciosamente dolorosa.

Dolorosa por ser biográfica e retratar a realidade de milhares de jovens brasileiros. Dolorosa por ser tão liricamente bonita e tocante que eu não consigo entender como alguém possa ler algo assim e não querer mudar o mundo. Agora mesmo. Imediatamente. Li, reli e não consigo escolher apenas um dos 13 contos que formam a coletânea de Geovani Martins como favorito. O que temos nesse livro são os bastidores do que vemos no noticiário. Num noticiário sangrento que marginaliza as comunidades periféricas e transforma em circo o que às vezes não é entretenimento. É morte. É família, sobrevivência e falta de oportunidades. Tudo o que não vemos na TV.

Geovani Martins foi (não sei se ainda é) morador de algumas favelas no Rio de Janeiro. Cresceu vendo a política de drogas que existe hoje se instalar e envolver moradores, policiais e governo. Não é preciso detalhar esse cenário para imaginá-lo caótico e violento. Desigual, acima de tudo. Um sistema que diariamente acentua classes sociais e as distancia, exclui indivíduos. Aos 26 anos Martins lançou pela Companhia das Letras uma série de relatos que já foi vendida para mais de 9 países. Relatos que transportam mundo afora o dia a dia carioca em formato de ficção. O que fica bem claro para qualquer um que lê, é que a arte imita a vida e as histórias compiladas foram construídas através de memórias. Experiências vividas, vistas e ouvidas. Um tanto que assustadoras.

O primeiro contato com uma arma de fogo ainda na infância e a falsa sensação de poder sobre isso; a adolescência entre conflitos armados e tiroteios vistos da janela de casa; a morte de costume tão próxima quanto uma bagagem qualquer no porta malas de um carro; o racismo que exclui e pune sem piedade; o vazio preenchido pelo ódio ao perceber que é possível despertar medo nas pessoas por apenas ser negro e pobre; a pichação como forma de gritar ao mundo que cultura não é somente aquilo que a gente gosta; preconceito, provas injustas e  drogas. As drogas como fuga, caminho e única saída. As drogas conduzem esse emaranhado de cheiros e gostos amargos.

Mais do que narrar de forma crua o que a gente sabe, mas esquece, o Sol na Cabeça passeia pelo universo informal e da norma culta. Se em um capítulo acompanhamos o desenrolar de um crime num texto de vocabulário super coloquial, em outro precisamos ler pausadamente para absorver gírias e metáforas que só um morador de Bangu entenderia de primeira. Além de trazer protagonistas brasileiros, maconheiros, artistas e pobres, o livro personifica o jovem das comunidades carentes que de tão inserido na criminalidade nem sempre enxerga que é possível construir uma vida nova. É possível mesmo?

Olha é bem difícil imaginar a força necessária para sair de uma bolha que reflete sangue e injustiça. Ao mesmo tempo em que o próprio autor é um exemplo de que existem outras possibilidades de ascensão não relacionadas ao tráfico e crime, o que ele escreve reforça que as estatísticas sempre serão ruins enquanto, por exemplo, a própria polícia alimentar o ciclo de corrupção. A culpa é nossa também? Sim, o livro é duro a esse ponto. Há força nessas palavras e os contos são quase manifestos, registros históricos que explicam o presente. Um presente podre.

O que quero dizer é que me arrepia imaginar o futuro.

Uma das melhores leituras do ano.

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