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[Resenha] O Vilarejo – Raphael Montes

Publicado em 10 nov, 2015

O Vilarejo – Raphael Montes
ISBN-10: 8581053041
Ano: 2015
Páginas: 96
Idioma: português
Editora: Suma de Letras
Classificação: 
Página do livro no Skoob

Em 1589, o padre e demonologista Peter Binsfeld fez a ligação de cada um dos pecados capitais a um demônio, supostamente responsável por invocar o mal nas pessoas. É a partir daí que Raphael Montes cria sete histórias situadas em um vilarejo isolado, apresentando a lenta degradação dos moradores do lugar, e pouco a pouco o próprio vilarejo vai sendo dizimado, maculado pela neve e pela fome. As histórias podem ser lidas em qualquer ordem, sem prejuízo de sua compreensão, mas se relacionam de maneira complexa, de modo que ao término da leitura as narrativas convergem para uma única e surpreendente conclusão.


Resenha:
A resenha desse livro foi originalmente publicada no jornal Gazeta de Alagoas. No texto, além de minha opinião sobre a obra, você confere um bate-papo super bacana com o autor.

Em um vilarejo afastado, muita coisa pode acontecer. Um ferreiro pode manter duas escravas no porão e levar o crédito pelo trabalho que nunca fez; uma mãe pode desmembrar os próprios filhos e comê-los, tamanha fome; e um pai desesperado por ajuda pode acabar enfrentando o diabo para salvar sua família. Em um vilarejo esquecido e coberto de neve, muita coisa pode estar acontecendo. Nesse cenário desesperador que Raphael Montes criou, a ansiedade característica do terror e o sentimento de repulsa ligado ao horror são presenças confirmadas em cada uma das sete histórias traduzidas que compõem O vilarejo. Sim. Aparentemente ele traduziu de manuscritos em cimério sete relatos trágicos que fazem referências aos pecados capitais e, também, aos demônios correspondentes a cada um. Belzebu com a gula, Mammon com a ganância, Asmodeus com a luxúria, Belphgor com a preguiça, Satan com a ira, Leviathan com a inveja e Lúcifer com a soberba. Um time e tanto.

Montes escreve sobre status, raiva, desejo, carne, apego, orgulho e desleixo. Ele escreve sobre violência. “Gosto de explorar esse lado obscuro do ser humano. Eu tento mostrar em meus livros como o mal está em todos nós e que depende de nós deixar que esse mal saia ou não. Não acredito que existam pessoas boas e pessoas totalmente ruins”, explica. Para ele, a violência é fascinante por ser humana. “Gosto de pegar pessoas ordinárias e colocá-las em situações extraordinárias. Esse é o cerne de tudo que escrevo”. Há cinco anos, ele dava início despretensiosamente ao que se tornaria seu terceiro livro publicado. “Foi tudo muito natural, num processo de escrever o que me dava na telha. Fiz isso ao longo de um ano e guardei o livro na gaveta. Ao longo de quatro anos, fiquei reescrevendo as histórias e negociando as ilustrações, então foi algo pensado com muita calma”. Sensorial e conciso. O vilarejo é assim. Não há tempo para ruminar com calma. É susto atrás de susto. “Busco cada vez mais dizer exatamente o que é necessário sem grandes firulas. Acho que a grande questão é achar qual é o ponto de toque da história e falar daquilo sem ficar enrolando muito”, revela.

As 180 páginas que compõem a coletânea foram pensadas para uma releitura. “É um livro para ser lido uma vez e depois uma segunda, para que você note todas as nuances e detalhes que existem. É tão pequeno que vale a pena”. Uma avó tão obcecada em economizar que se descobre capaz de negar comida à própria neta. Uma senhora aparentemente dotada de boas intenções que acaba sendo mais perversa que uma multidão disposta a matar e um preguiçoso tão descontrolado que estabelece uma disputa de vida ou morte entre os escravos para poder se alimentar. Os personagens criados por Raphael Montes são personificações extremas dos pecados capitais. Lúcifer e Satan não poderiam ser mais bem retratados em atos humanos. Esse talento malicioso rendeu um apelido para o escritor: O Príncipe do Horror. “Eu particularmente acho legal esse apelido. É divertido. É bom ser uma referência em algo que você gosta e estuda por tanto tempo. Eu me dediquei muito ao suspense, ao terror, ao policial, e fico feliz com essa ligação criada entre meu nome e o gênero”. Ele garante que não há chance alguma de o vermos escrevendo um romance água-com-açúcar. “Nenhuma, nenhuma, nenhuma”.

Muita coisa mudou no texto original de O vilarejo até o seu lançamento. Nesse intervalo de tempo, Montes lançou Suicidas, pela editora Benvirá, e Dias perfeitos, pela Companhia das Letras. A experiência o fez alterar alguns pontos. “Eu joguei toda a narrativa para o presente, pois havia escrito no passado. Achei que daria um tom de realidade maior, uma força que não existia antes. Tirei histórias, criei novas. Foi um processo de sentir o que funcionava e o que não funcionava tão bem. Mudei bastante como escritor”. E se dizem que todo autor deposita algo de si naquilo que escreve, ele veio para discordar disso. “Acho que de algum modo eu coloco questões que me incomodam. O livro fala muito de racismo, de doenças sexualmente transmissíveis. Assuntos caros e difíceis de tratar de uma maneira um pouco como tom de fábula. O livro consegue fazer isso, tratar de assuntos delicados num tom fantasioso que pode ser interessante. Acho que o escritor não coloca algo de si, mas algo dos assuntos que o interessam. O vilarejo é assim”, diz o carioca.

Quem o vê como finalista de prêmios como o Benvirá de Literatura, de 2010, o Machado de Assis, de 2012, e o São Paulo de Literatura, de 2013, não imagina Raphael Montes como alguém que não possui rotinas equilibradas de escrita. “Meu processo de criação é bem caótico. Escrevo em horários diversos, mas prefiro o silêncio da noite e um copo com água do lado. Sou metódico quanto a isso. Costumo criar um esqueleto da trama antes de começar a escrever, mas hoje em dia, como escrevo para cinema e televisão também, tenho um horário bem variado. Tento dividir o dia entre as pendências literárias, cinematográficas e televisivas”.

É impossível não iniciar a leitura de O vilarejo com uma pulga atrás da orelha. O prefácio que abre o livro indica que tudo que leremos nas próximas páginas é verídico. Todas as barbáries que acontecem com os moradores do vilarejo foram registradas por alguém centenas de anos trás. Todo o mistério envolto no processo de tradução também é de arrepiar. O quanto tudo isso é verídico? Bem… “A resposta legal para essa pergunta é que tudo é verdade, mas a verdade é que é tudo mentira. Criei tudo quando resolvi publicar. Originalmente o livro teria apenas as sete histórias. Quando eu decidi que viraria um romance, criei prefácio e posfácio. O que é muito legal, porque na verdade são duas histórias, uma dentro da outra. Todas com finais surpreendentes”. Se o prefácio instiga, o posfácio arrebata. É lendo para crer e não precisa seguir a ordem. Todos os capítulos são autossuficientes. “Meus livros em geral têm finais chocantes, que deixam as pessoas arrepiadas, e essa é a ideia”.

Entre demônios, tentações e fraquezas, Montes não esconde em quais pecados se enxerga. “Fico seriamente na dúvida entre a gula e a preguiça. São meus maiores pecados, sem dúvida. Eu acho. Ainda que eu tenha bastante luxúria. Ira, inveja e avareza são os que eu não tenho. Soberba, eu tenho um pouquinho”.

Uma sopa de carne humana, um trem que esmaga inocentes e retratos de preconceito. As ilustrações que acompanham e intercalam os capítulos são sombrias. De uma beleza mórbida. As páginas manchadas de sangue são um aviso: alguém vai morrer. Nota-se o cuidado na diagramação da obra. É realmente um prato cheio para os fãs do gênero. “Quem assina as ilustrações é Marcelo Damm. Ele é designer, mas nunca trabalhou como ilustrador. A gente se conheceu num clube de leitura e fiz o convite. Na época foi sem pretensão. Disse a ele que tinha essas histórias e queria que fossem ilustradas, que não sabia se iria virar livro, e não podia pagar nada, enfim. Agora, ele foi pago, mas na época ele fez no amor e na confiança no projeto”, explica o autor. Dois anos de discussão se passaram. Os esforços foram para fugir do óbvio. “Eu quis que as ilustrações complementassem a narrativa, fugindo de imagens que simplesmente representassem o que já está escrito no texto”.

Sobre as dificuldades da carreira, ela chama a atenção para a literatura nacional e o espaço no mercado. “O Brasil é um País de dimensões continentais, mas com poucos leitores. Acho que viver de literatura é muito difícil mesmo. Mas acho que existe uma geração de leitores que vem vindo aí. Vejo muitos jovens de 12, 13 anos lendo bastante. Isso pode ser bom para literatura brasileira no futuro. Acho uma pena que haja ainda hoje uma desvalorização do que se produz aqui. Muita gente considera livro nacional livro ruim, o que é uma besteira. As pessoas têm descoberto isso lendo livros de gente daqui”.

Para esse segundo semestre e o início de 2016, ele está cheio de projetos. “Tenho um romance para o ano que vem, estou escrevendo um longa-metragem e colaboro em alguns projetos. Uma série de televisão deve chegar muito em breve. Tem sido bem legal”. Ele promete reviravoltas, cenas chocantes e finais surpreendentes para os seus leitores. “São histórias que você não consegue parar de ler ou assistir. Assim eu espero. Tenho trabalhado para isso.”

 

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1 Comentário

  • […] OMD já resenhou todos os livros do autor: Suicidas, Dias Perfeitos, O Vilarejo e Jantar […]